Existe amor em SP, mas talvez não o que eu quero ter

Muita gente já falou isso, mas vou falar também: grandes textos (ou obras de arte, ou obras, apenas) são aqueles que vão além do texto em si, que ficam na cabeça, que se desdobram e nos fazem discutir sobre ele, mesmo que discordemos das ideias ali contidas. Acho que o texto mais compartilhado hoje nas minhas timelines do twitter e do facebook foi o pós-romance da Bruna Beber, transformado em powerpoint pela Contente.

A sacada de usar o meio mais piegas pra falar justamente do amor anti(ou pós)-romântico é maravilhosa. O texto, idem. É o que eu falei no começo: tão bom que ficou na minha cabeça durante várias horas – e só depois dessas várias horas é que eu vi que me identifico muito mais com o romance do que com o pós-romance.

Tudo que está no texto de Bruna é muito coerente, mas a minha discordância vem justamente do excesso de coerência. O amor não é coerente, não segue regras de conduta. Pelo menos o meu amor, ou o amor que aprecio. Esse pós-romance que o texto fala me parece uma paulistanização do amor, onde os lugares de cada um são delimitados antes mesmo do romance começar. “Você não invade o meu espaço, eu não invado o seu”. Mas o amor não é, justamente, o lugar da confusão? Onde tudo se mistura, ninguém sabe onde começa e onde termina, até que as coisas e pessoas tomam organicamente o seu lugar? Nesse mundo e, principalmente, nessa cidade cheia de regras, onde não se pode fumar em lugar nenhum, não pode entrar com celular no banco, não pode contratar família, não pode não pode não pode, não é bom que exista um espaço em que tudo, a princípio, pode – e o que não pode vá sendo criado aos poucos?

Alguns anos atrás, escrevi um texto pro Dissenso sobre filmes de amor. Na verdade, o texto era mais sobre o amor do que propriamente sobre filmes, e vejo que continuo pensando da mesma forma. Se isso é bom ou ruim, não sei. Nos comentários do texto, postei um trechinho dum livro do Edgar Morin que eu adoro, Amor Poesia Sabedoria. Copio aqui:

“A idéia de se poder definir o gênero homo atribuindo-lhe a qualidade desapiens, ou seja, de um ser racional e sábio, é sem dúvida uma idéia pouco racional e sábia. Ser Homo implica ser igualmente demens: em manifestar uma afetividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor; em carregar consigo uma fonte permanente de delírio; em crer na virtude de sacrifícios sanguinolentos, e dar corpo, existência e poder a mitos e deuses de sua imaginação. Há no ser humano um foco permanente de Ubris, a desmesura dos gregos.

A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afetividade e as irrupções do imaginário, e sem a loucura do impossível, não haveria élan, criação, invenção, amor, poesia.”

Acredito muito nisso. Acho que um amor que não invade, não cobra, não quer estar junto toda hora possessivamente, ou seja, lados extremamente negativos do amor, não é capaz de produzir os lados extremamente positivos do amor, aqueles momentos de loucuras lindas e coração disparado que a gente vive buscando. Uma das coisas boas do texto de Bruna é que ela coloca em questão o quanto disso é realmente amor pelo outro ou carência e excesso de amor por si mesmo. Por mais que eu discorde de diversos pontos dele (ou da junção de todos os pontos), é um texto a que se deve recorrer sempre que os excessos do amor parecerem caminhar para a psicopatia. Mas, entre a sorte de um amor tranquilo e um amor Bethânia, prefiro que pinte este último.